As roupas possuem uma linguagem própria. Pensar sobre roupas, significa pensar sobre memória, história, poder e posse. Há séculos, as roupas são utilizadas como forma de diferenciar.
A beca exposta no Memorial foi doada pela família da Procuradora de Justiça Maria de Lourdes Cavalcante Aguiar. Atuou por 34 anos como membro do MP do Ceará. A procuradora passou e presenciou importantes transformações na instituição ao longo desses anos de atuação. Além da memória e da saudade deixada, proporcionou também este importante símbolo do rito judicial, sua beca, que testemunhou momentos significativos da história da instituição. Esta indumentária presente no Memorial do MPCE, representa a atuação formal dos membros do Ministério Público.
No processo judicial, seja durante o júri popular ou nas reuniões ordinárias do Poder Judiciário, há uma série de ritos e tradições que foram consolidadas ao longo dos séculos. Para além do martelo utilizado pelos juízes nos filmes norte-americanos, pouco utilizados no Brasil, a vestimenta usada nestes momentos sempre foi um elemento muito presente no imaginário popular.
A veste talár, do latim talus, que significa calcanhar, que indica o limite do comprimento da vestimenta. Ela está presente na liturgia do processo judicial há muitos séculos. No Brasil, o Decreto Imperial nº 1.326, de 10 de fevereiro de 1854, regulamentou o uso dessa vestimenta para magistrados e promotores públicos durante as sessões do júri, reafirmando uma antiga prática dos ritos jurídicos europeus.
Para além do caráter cerimonioso e ritualístico, a indumentária serve para uniformizar os diversos personagens que atuam no processo judicial. A intenção primordial é que não haja distinção social entre esses atores, mas apenas quanto às suas funções.
A cor preta é uniforme em todas as becas e togas, remetendo à ideia de entrega e abnegação do indivíduo à função exercida dentro do rito do processo judicial. Nesse momento, a pessoa não representa a si mesma com suas ideias e convicções, mas sim uma instituição ou uma função.
A beca utilizada pelos membros do Ministério Público geralmente possui algumas características comuns: é composta por uma corda trançada com fios de seda, chamada torçal, na cor vermelha, que indica o rigor na aplicação da lei. O torçal é finalizado por um pingente em formato de sino ou de campânula, chamado de borla, feito da mesma corda trançada. Além disso, algumas vezes a beca é composta por rosetas, botões paralelos na altura do peito, e por alamares, formados quando as cordas trançadas cruzam o peito e são pressas nos botões frontais.
Os juízes utilizam a toga, quase sempre a vestimenta possui as mesmas características da beca dos promotores e dos advogados. A única diferença é referente a cor do torçal, para os magistrados, é utilizada a cor branca, que simboliza a imparcialidade na aplicação da lei. Já a classe dos advogados utiliza a beca com o torçal verde, que representa a esperança na resolução de conflitos através do diálogo e das leis.
O historiador Peter Stallybrass, na obra “O casaco de Marx: roupas, memória, dor”, indica que as roupas são um traço, a marca que sobrevive ao corpo. “A roupa tende, pois, a estar poderosamente associada à memória ou, para dizer de forma mais forte, a roupa é um tipo de memória.” No início do século XIX, quando as roupas eram usadas por muitos anos e, às vezes, deixadas como herança para filhos e filhas, carregavam um grande peso sentimental e econômico.
Apesar das roupas, hoje, não terem mais o mesmo valor econômico como tinham no passado, elas ainda possuem um importante valor sentimental. Roupas como becas, togas, fardas e outras vestimentas que remetem ao exercício de uma função carregam memórias e simbologias para todos, tanto para os que as utilizam diariamente quanto para os que acompanharam toda uma vida de dedicação de uma pessoa a certa função.
O objeto em exposição, doado pela família da Procuradora de Justiça Maria de Lourdes Cavalcante Aguiar, foi a vestimenta utilizada por ela por muitos anos. A doação é um ato que torna acessível uma teia de conexões entre a vida da procuradora e a história da instituição, pondo à disposição a todos os visitantes do Memorial o conhecimento sobre a história do Ministério Público do Estado do Ceará através de objetos que são utilizados no dia a dia da atuação dos promotores e dos procuradores de justiça.
- Borla
- Rosetas e Alamares
Bibliografia
STALLYBRAS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Tradução de Tomás Tadeu da Silva. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
Informativo Acontece MP Edição 49 / Abr./Maio 2015 / Ano 9
Vestes Talares – Trajes que caracterizam membros do Ministério Público